sexta-feira, 9 de abril de 2010

Interdito


— Não consigo escrever diálogos. Primeiro, há os travessões e os parágrafos e aqueles verbos que nunca ninguém diz, muito ao género de exclamar e retorquir. E, depois, há pessoas a falar à vez. Sim, à vez, uma de cada vez, alternadas, numa sequência que provavelmente só fará sentido nos nossos cérebros viciados em ordem. E, depois, há as palavras ocas. Há o vazio.

— Se não tens jeito para escrever diálogos, não escrevas. Não digas mais nada ou o laço que fazes das ideias vai acabar por se tornar num nó impossível de desatar.

— Sempre que tento escrever um diálogo as ideias começam a intricar-se, as personagens a imiscuir-se, os parágrafos a desaparecer, os travessões também e, quando dou conta, há apenas um conjunto de discursos internos dentro de outros discursos dentro de personagens dentro de pessoas dentro de mim.

— Tinhas de aparecer aí no meio, não tinhas? Dê as voltas que der a conversa termina sempre em ti. Em última instância, só existes tu. Tu e a porra do teu egoísmo.

— Enganaste, meu amor, és sempre tu quem existe. As palavras são sempre para ti. Sempre tuas. Quando digo meu amor (e apetece-me atirar-te esta palavra à cara como se atira uma pedra para dentro de um lago parado) há uma parte de mim que deixa de existir. Há uma parte de mim, por baixo da minha pele, por dentro da minha carne e dos meus ossos que morre. A minha anulação é aquilo que busco em ti.

— Amor? O amor é só uma palavra. Não a gastes. Se nunca a usaste, não comeces agora. Deixa que, por uma vez, a noite seja apenas uma noite de silêncio e não uma noite de palavras.

— Meu amor, as palavras são a única coisa que existe. Quando a parte de mim que está por baixo da minha pele, por dentro da minha carne e dos meus ossos tiver desaparecido definitivamente: quando tu a tiveres acabado de matar: quando também a minha pele, a minha carne e os meus ossos estiverem mortos: quando tu estiveres morto, as palavras continuarão a existir. Ainda que o destino nos corte a voz e nos silencie os gestos (e isso vai acontecer, meu amor, nenhum de nós tem vocação para a felicidade), as palavras continuarão a existir. Para lá de nós. Dos estilhaços de nós. E ainda nós. Meu amor.